Galeria de Fotos

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domingo, 28 de março de 2021

Impressionante relato de 1819 sobre o Engenho São Joaquim, atual Fazenda Babilônia, feito pelo viajante francês, botânico e naturalista August Saint Hilarie.

Uma Fazenda Modelo "A 5 léguas de Gonçalo Marques parei na fazenda do comandante de Meia-Ponte, Joaquim Alves de Oliveira, para quem o governador da província me tinha dado uma carta de recomendação, tendo nessa ocasião feito grandes elogios a ele. A acolhida que me deu foi perfeita, e passei alguns dias em sua propriedade. Joaquim Alves de Oliveira amealhara à custa do próprio esforço a sua fortuna, que era considerável. Tinha sido educado por um jesuíta, e parece que absorvera nessa escola o espírito metódico e equilibrado que o fazia sobressair entre os seus compatriotas. A princípio dedicou-se ao comércio, mas como tinha mais pendor para a agricultura, acabou por renunciar quase que inteiramente aos seus interesses mercantis. Não obstante, entregava-se ainda a transações comerciais quando esperava poder obter um lucro razoável. Assim, por ocasião de minha passagem por ali ele tinha acabado de enviar o genro a Cuiabá com uma numerosa tropa carregada de mercadorias variadas. Tinha, porém, o hábito de jamais falar com quem quer que fosse sobre os seus negócios, e ninguém ficava sabendo quando ele ganhava ou perdia dinheiro nas suas transações. Entre os brasileiros que conheci, era ele, talvez, o que tinha mais aversão à ociosidade. "Concedo a meus hóspedes", dizia-me ele sorrindo, "três dias de descanso. Ao cabo desse tempo, porém, descarrego sobre eles uma parte dos serviços da casa". As conversas de Joaquim Alves revelavam que ele era dotado de um grande amor à justiça e de uma religião sem mesquinhez. Era homem de muito senso, de uma grande simplicidade e de uma bondade extrema. A fazenda, fundada por ele, nunca tivera outro nome a não ser o seu. Tratava-se, inegavelmente, da mais bela propriedade que havia em toda a região de Goiás que eu tinha percorrido. Reinavam ali uma limpeza e uma ordem que eu ainda não vira em nenhuma outra parte. A casa da fazenda era ao rés do chão e nada tinha de extraordinária, mas era ampla e muito bem conservada. Na frente, uma extensa varanda oferecia sombra e ar fresco em todas as horas do dia. O engenho-de-açúcar, conjugado à casa, fora construído de maneira que, da sala de jantar, pudesse ser visto o trabalho que se fazia junto às caldeiras, e da varanda, o que se passava no moinho de cana. Este último dava para um pátio quadrado. O corpo da casa se prolongava numa série de construções, que formavam um dos lados do pátio, nas quais estavam instaladas a selaria, as oficinas do serralheiro, do sapateiro, a sala dos arreios e, finalmente, a cocheira. Outro lado era construído pelos alojamentos dos escravos casados. Esses alojamentos eram cobertos de telhas e divididos em cubículos por paredes até certa altura. Um muro de adobe fechava os dois lados restantes do pátio. A casa fora organizada desde o princípio com tamanha perfeição que o seu proprietário já não tinha, por assim dizer, necessidade de dar nenhuma ordem. Cada um sabia o que tinha de fazer e tratava de se colocar no seu posto de trabalho por sua própria conta. Para se fazer entender, bastava ao dono, se quisesse, dizer apenas uma palavra ou fazer um simples gesto. No meio de uma centena de escravos não se ouviam ordens gritadas nem se viam homens apressados andando de um lado para o outro, apenas aparentando grande atividade, mas na verdade sem saberem o que fazer. Em toda parte reinavam o silêncio, a ordem e uma tranqüilidade que se harmonizava perfeitamente com a que a Natureza costuma oferecer naqueles climas amenos. Dir-se-ia que um gênio invisível governava a casa. Seu proprietário ficava sentado tranquilamente na varanda, mas era fácil ver que nada lhe escapava e que bastava um rápido olhar para manter tudo sob controle. As regras estabelecidas por Joaquim Alves quanto ao tratamento dado aos escravos consistiam em mantê-los bem alimentados e vestidos decentemente, em cuidar deles adequadamente quando adoeciam e em jamais deixá-los ociosos. Todo ano ele provia o casamento de alguns, e as mães só iam trabalhar nas plantações quando os filhos já podiam dispensar os seus cuidados. As crianças eram então confiadas a uma só mulher, que zelava por todas. Uma sábia precaução fora tomada para evitar, tanto quanto possível, as ciumadas e as brigas: os quartos dos solteiros ficavam situados a uma boa distância dos alojamentos dos casados. O domingo pertencia aos escravos. Eles não tinham permissão para ir procurar ouro, mas recebiam um pedaço de terra que podiam cultivar em seu próprio proveito. Joaquim Alves instalara em sua própria casa uma venda onde os negros podiam comprar as coisas que geralmente são do agrado dos africanos. Nas suas transações o algodão fazia o papel do dinheiro. Dessa maneira ele livrava os escravos da tentação do roubo, estimulava-os ao trabalho acenando-lhes com os lucros de suas lavouras, fazia com que se apegassem ao lugar e ao seu senhor, ao mesmo tempo que aumentava a produção de suas terras. Durante minha permanência na casa do comandante de Meia-Ponte visitei as várias dependências de sua fazenda, o chiqueiro, o paiol, o moinho de farinha, o local onde era ralada a mandioca e onde ficava instalada a máquina de descaroçar o algodão, a fábrica de fiação, etc. etc., e em toda parte encontrei uma ordem e uma limpeza incomparáveis. Os fornos do engenho-de-açúcar não tinham sido feitos de acordo com as especificações da técnica moderna. Seu aquecimento era feito pelo lado de fora, o que pelo menos tornava menos penosa para os trabalhadores a operação de cozimento. Um tambor horizontal movido a água punha em movimento doze pequenas máquinas de descaroçar algodão. Era também a água a máquina de ralar mandioca, da qual darei aqui uma descrição. A casa onde se achava instalada era construída sobre estacas e embaixo do assoalho fora colocada uma roda em posição horizontal, que era movida pela água que caía de uma calha em plano inclinado. O eixo da roda atravessava o assoalho e se elevava até certa altura, tendo na extremidade outra roda horizontal cujo aro era revestido por um ralo de metal. O eixo e a roda superior ficavam encaixados dentro de um quadrado formado por quatro estacas,cada uma das quais tinha uma chanfradura na parte interna, ao nível do ralo. Quando a roda começava a girar, quatro pessoas seguravam as mandiocas, encaixando-as nas chanfraduras. Tendo esse ponto de apoio, seus braços podiam manter-se firmes e a ação da máquina não sofria interrupção. Numa parte de suas terras o comandante de Meia-Ponte tinha deixado de lado o método primitivo adotado geralmente pelos brasileiros em suas lavouras. Passara a usar o arado e adubava a terra com o bagaço da cana. Dessa forma não havia necessidade de queimar novas matas todo ano. A cana era replantada sempre no mesmo terreno, que ficava situado perto da casa para facilitar a supervisão do dono e poupar tempo aos escravos. O açúcar e a cachaça eram vendidos em Meia-Ponte e Vila Boa, mas o algodão era exportado para o Rio de Janeiro e Bahia. Joaquim Alves foi o primeiro, como já disse, a demonstrar a vantagem dessas exportações, e seu exemplo foi seguido por vários outros colonos. Por ocasião de minha viagem ele estava planejando aumentar ainda mais suas plantações de algodão e tinha intenção de instalar no próprio arraial de Meia-Ponte uma descaroçadora, bem como uma fiação onde pretendia empregar as mulheres e as crianças sem trabalho. Depois de descaroçado, o algodão da região, cuja qualidade é excelente, era vendido no local a 3.000 réis a arroba. O transporte de Meia-Ponte à Bahia custava 1.800 réis a arroba, e até o Rio de Janeiro 2.000. O lucro obtido com as exportações a esse preço era tão garantido que Joaquim Alves não vacilara em se oferecer para comprar, à razão der 3.000 réis, o algodão produzido por todos os agricultores das redondezas. Ao dedicar sua atenção a um produto que podia ser exportado com proveito, o comandante de Meia-Ponte incentivava seus compatriotas a tomar novos rumos, indicando-lhes o que devia ser feito para arrancar sua região do estado de penúria em que a mergulhara uma exportação do ouro mal orientada. Enquanto ele agia de maneira prática, vários de seus concidadãos afirmavam que só havia salvação para a província numa ideia absurda apresentada por Luís Antônio da Silva e Souza. Segundo eles, a única maneira de deter a decadência sempre crescente da província seria impedir a saída do ouro para fora de suas fronteiras, criando-se para isso uma moeda provincial. Poder-se-ia argumentar, entretanto, que se essa moeda não tivesse valor como metal não haveria força humana capaz de lhe dar algum crédito. Se, pelo contrário, ela fosse de cobre, de ouro ou de prata, acabaria saindo da província de uma forma ou outra, por mais rigorosa que fosse a proibição, como acontecem todos os dias com o ouro em pó. Uma vez fora de suas fronteiras, porém, ela só seria aceita pelo seu valor intrínseco, e em conseqüência os comerciantes de Goiás passarão a vender suas mercadorias por um preço que compense a sua desvalorização. O ouro adulterado que circula em Goiás já pode ser considerado uma espécie de moeda provincial, pois só é aceito ali, e quando o comerciante o remete para fora ele se vê obrigado a reduzi-lo ao seu valor real, purificando-o, para em seguida reajustar os seus preços de acordo com a redução de peso sofrida pelo ouro. Depois de tantas jornadas tediosas e cansativas através dos sertões, senti-me feliz por me achar numa casa que reunia todo o conforto que a região podia oferecer, onde eu gozava de inteira liberdade e cujo proprietário, um homem esclarecido, tinha por mim toda consideração. O tempo que passei na casa de Joaquim Alves foi muito proveitoso. Meus homens fizeram uma esplêndida caçada nas margens de uma lagoa situada nas proximidades. Quanto a mim, passei para o papel uma parte dos dados que recolhera sobre vários assuntos e obtive novas informações em conversas com meu hospedeiro. Deixei a fazenda cheio de gratidão pela excelente acolhida que me deu o seu proprietário e me dirigi a Meia-Ponte, distante dali uma légua."

quarta-feira, 17 de março de 2021

Nova espécie de ave é descoberta em Alagoas e já está ameaçada de extinção

Ilustração do Trogon muriciensis (MZUSP 112768) descoberto na Estação Ecológica de Murici, Alagoas Imagem: Eduardo Brettas
Uma nova espécie de surucuá, ave da família Trogonidae, acaba de ser descrita. Descoberta nos remanescentes de Mata Atlântica do Estado de Alagoas, a espécie ocorre em uma área restrita na Estação Ecológica (ESEC) de Murici e conta com poucos indivíduos, por isso, foi considerada pelos cientistas como "criticamente ameaçada". O artigo que descreve a espécie foi publicado no último dia 6, no Zoological Journal of the Linnean Society. A nova espécie foi batizada de surucuá-de-murici (Trogon muriciensis), em homenagem à sua área de ocorrência. Ele se distingue de qualquer outra espécie do gênero pelo tamanho - é um pouco menor -, pela coloração da plumagem e pelo barramento da cauda, que segue um padrão de listras. Além disso, foram encontradas diferenças no canto e em caracteres genéticos. Todas estas características foram identificadas em exemplares machos. A fêmea ainda não é conhecida. "Esta é uma espécie nova e ainda desconhecida da ciência", explica o ornitólogo Luís Fábio Silveira, curador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do estudo. Segundo ele, durante os trabalhos de campo foram detectadas apenas 20 aves, em uma área isolada, e a estimativa dos pesquisadores é que a população não ultrapasse 90 casais. Em museus, há somente dois exemplares depositados. Por estas características, a nova espécie já corre perigo de extinção e "exige urgentes ações de conservação", alertam os pesquisadores no estudo. "A ESEC de Murici tem um altíssimo grau de endemismo. Ela foi criada justamente pelo elevado número de espécies endêmicas e aves ameaçadas de extinção. Atualmente, são conhecidas mais de 40 espécies que ocorrem no Centro de Endemismo Pernambuco e estão nesta categoria", diz Marco Antonio de Freitas, analista ambiental e chefe da Estação Ecológica de Murici.. "O surucuá-de-murici é um pássaro candidato a virar a espécie símbolo da Estação Ecológica, não só pela beleza, mas pelo significado da sua descoberta e seu status de conversação, o que aumenta ainda mais a responsabilidade do ICMbio de finalizar a indenização da área em que será construída a sede da ESEC, para que possamos aumentar a proteção efetiva, a presença física, dentro da unidade", complementa Freitas. REVISÃO TAXONÔMICA O trabalho que levou à descoberta da nova espécie em Alagoas também promoveu uma ampla revisão taxonômica dos surucuás-de-barriga-amarela (Trogon rufus), grupo bastante complexo - já que muitas variações de plumagem receberam nomes, dividindo-o em subespécies ou espécies - e cuja distribuição é bastante ampla pelas florestas da América do Sul e Central. Antes da revisão, eram consideradas seis subespécies para este surucuá: Trogon rufus rufus, Trogon rufus tenellus, Trogon rufus cupreicauda, Trogon rufus sulphureus, Trogon rufus amazonicus e Trogon rufus chrysochloros, que ocorrem desde o sul da Guatemala até o norte do Uruguai e nordeste da Argentina. Em 2019, pesquisadores de diferentes partes do globo começaram a se debruçar sobre este grupo de aves, levando à reclassificação de três das subespécies, que passaram a ser consideradas espécies à parte. Para que esta revisão fosse feita, foram avaliadas 906 peles, depositadas em vários museus do mundo. A análise valeu-se de dados detalhados de coloração - possíveis de serem captados a partir do uso de um espectofotômetro - medidas de bico, asa e cauda, além de outros aspectos morfológicos. "Também usamos dados de vocalização e dados genéticos para entender a natureza da variação por toda a distribuição geográfica, e como ela pode ser traduzida na forma da definição das espécies válidas", diz Silveira. Segundo os pesquisadores, ao longo da bacia amazônica brasileira existem três áreas de intergradação - quando duas subespécies distintas ocorrem em áreas onde suas populações têm as características de ambas - entre as subespécies dos táxons sulphureus, rufus e amazonicus, que cruzam entre si e que foram mantidas com esta classificação taxonômica. Já os táxons tenellus e cupreicauda, que ocorrem no norte da América do Sul e América Central, e chrysochloros, endêmico do bioma Mata Atlântica, são muito distintos de suas subespécies da bacia amazônica, tendo sido considerados espécies distintas. Desta forma, com a revisão, além do Surucuá-de-Murici (T. muriciensis), a Mata Atlântica também ganhou uma segunda espécie endêmica do bioma, o Trogon chrysochloros, ainda não batizado com nome popular no Brasil. "Isso demonstra o quão importante e relevantes são as coleções biológicas, que são a base material para estudos mais refinados. Além disso, trabalhos de campo e de laboratório, onde dados genéticos e das vocalizações podem ser obtidos e estudados, permitem que o nosso conhecimento sobre a diversidade, expresso em revisões taxonômicas, seja muito mais preciso hoje em dia", complementa Luis Fábio Silveira. Esta reportagem foi originalmente publicada pelo site de notícias ambientais ((o))eco, uma associação de jornalismo sem fins lucrativos. Cristiane Prizibisczki De ((o))eco 17/03/2021
Paisagem da Estação Ecológica de Murici (AL), um dos maiores remanescentes da Floresta Atlântica do Centro de Endemismo Pernambuco Imagem: Hermínio Vilela

quarta-feira, 3 de março de 2021

GRAN CHACO - Mistura única de semiárido, cerrado e Pantanal, com gramíneas, cactos e matas influenciadas pela alternância das estações seca e chuvosa

Sete pesquisadores do Inbio lançaram o livro “Chaco Brasileiro: um manifesto fotográfico da biodiversidade = Brazilian Chaco: a photographic manifest of Biodiversity” no repositório científico internacional Figshare (DOI 10.6084/m9.figshare.13262726). Disponível para download gratuito em https://doi.org/10.6084/m9.figshare.13262726, a obra é um misto de livro fotográfico, técnico e de divulgação científica em formato 9:16 para leitura em diferentes suportes digitais e impressão doméstica ou institucional (168x297mm) para fins não comerciais. Com 682 fotos autorais e legendas português/inglês, apresenta os principais tipos de vegetação e componentes da fauna e flora do Chaco Brasileiro, localizado predominantemente no município de Porto Murtinho, em Mato Grosso do Sul. Quase todos os organismos retratados são identificados ao nível de espécie.