Galeria de Fotos

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domingo, 17 de julho de 2022

 Um só planeta

Por Camila Araujo

 

Antiga fazenda onde foram plantadas 180 mil mudas da Mata Atlântica vira 'casa' de micos-leões-dourados
Turismo ecológico. Uma família de São Paulo não perde a chance de registrar a passagem de um mico-leão-dourado: encanto pelos sons dos animais Marcia Foletto / Agência O Globo

O que antes era um pasto coberto por capim foi substituído por cedros, jacarandás, palmitos-juçara e outras 97 espécies de árvores nativas de Mata Atlântica. Uma antiga fazenda em Silva Jardim, passados pouco além de três anos e o replantio de mais de 180 mil mudas, é cenário do renascimento da biodiversidade de uma floresta inteira. À sombra dessas árvores, brotou mais vida: a flora local tornou-se lar de moradores como a preguiça-de-coleira, o cachorro-do-mato e os macaquinhos inconfundíveis que batizam o recém-inaugurado Parque Ecológico Mico-Leão-Dourado, aberto em junho. O parque, uma imensidão de 90 hectares, tem atrações como mirante, torre de observação e trilhas ecológicas, mas as visitas guiadas para quem quer conhecer a rotina dos micos ainda são oferecidas a 26 quilômetros dali, na Fazenda Afetiva, ambiente menor, com 20 hectares, onde se concentram quatro grupos dessa espécie, em um total de 26 indivíduos — contra os onze atualmente no parque.

Os pingos que caíam das copas das árvores não intimidaram os dois grupos de visitantes na última quinta-feira no passeio à Trilha do Mico, nos domínios da Fazenda Afetiva, que pertence a um parceiro da Associação Mico-Leão-Dourado, administradora do novo parque. Entre galhos, folhas e plantas na terra ainda molhada pela chuva da noite anterior, o pequeno Pedro Maluf Serrano, de 9 anos, se aventurava ansioso para ver os animais. Com ajuda de um GPS e uma antena, o assistente de pesquisa Ademilson de Oliveira, de 46 anos, procura os micos. A técnica utilizada é a radiotelemetria, em que uma antena direcional emite um som de bipe quando os animais, que utilizam um colar, estão próximos. Muita expectativa, até que a pelagem de um laranja vivo é avistada entre as folhas.

— Olha lá! Acho que está comendo uma mosca, deve ser o prato principal — exclama Pedro, excitado com o primeiro mico avistado, às 8h45, poucos minutos depois do começo da caminhada.

Ele fez o dever de casa: os micos se alimentam de pequenos insetos e invertebrados, frutas, néctar e ovos. Visitantes são proibidos de alimentá-los. Foi através de um trabalho escolar do Pedro que a família, vinda de São Paulo, descobriu a associação que gerencia o parque e oferece a visita.

— A gente planejou as férias aqui para o Rio só para isso, para fazer esse passeio. Depois pesquisamos outras coisas para fazer. A gente gosta desse tipo de viagem, principalmente valorizando o que é do Brasil — disse Maria Paula Maluf, de 44 anos, mãe de Pedro e Helena, de 14.

Mais à frente, outro miquinho. E outro. E mais um. Pedro, seus pais e sua irmã mais velha observam e especulam juntos o que os bichinhos estão fazendo. “Será que foram para as bromélias beber água”, um deles pergunta.

— Muitos pequenininhos, viu? — aponta Helena, para o pai, Eduardo, que responde: — Que coisa linda.

    A antiga fazenda onde o parque foi instalado foi comprada em 2017 com apoio de uma ONG estrangeira, a DOB Ecology, e hoje conta com patrocínio de diversas entidades internacionais, inclusive uma iniciativa da Disney pelo meio ambiente.

    Uma aposta da equipe da associação, que trabalhou na recuperação da propriedade, foi a repovoação dos animais por meio da conexão de florestas. O plantio de mudas se estendeu ao viaduto vegetado, uma ponte cheia de plantas, galhos e pequenas árvores entre o Parque do Mico-Leão-Dourado e a Reserva Biológica de Poço das Antas. O objetivo da estrutura, a primeira construída em uma rodovia federal, é conectar as florestas, facilitar a passagem dos animais, evitando atropelamentos e furando o bloqueio que a BR-101 representa para a livre circulação dos bichos.

    Um dos atrativos locais é o mirante de observação do viaduto vegetado. Em outra área, uma torre, elevada a 15 metros do ponto mais alto do terreno, proporciona visão panorâmica de toda a região replantada. A conservação da Mata Atlântica e o reflorestamento são determinantes para salvar o mico-leão-dourado da extinção, porque aumentam o habitat natural da espécie, um dos mais devastados do Brasil.

    — A ideia é que as pessoas passem um dia agradável curtindo a Mata Atlântica. Mais do que conhecer os bichos e fazer caminhadas, que eles possam conhecer a biodiversidade do bioma, um dos mais ricos do planeta, e parte dos nossos desafios, como a necessidade de restaurar a floresta para salvar o mico e seu habitat — conta o diretor-geral do Parque Mico-Leão-Dourado, Luis Paulo Ferraz.

      Com três anos e meio, a floresta do parque ainda é jovem. Para chegar à fase madura deve levar mais 87 anos. O trabalho de formiguinha no plantio contou com a ajuda de agricultores familiares das regiões de Silva Jardim e municípios vizinhos, com a produção de cinco viveiros de espécies vegetais.

      A quilômetros dali, em outra parte da Trilha do Mico, uma família inteira de macaquinhos se aproxima. Um deles desce da árvore e, no chão, encontra um grilo: prato feito. Dentre as 16 vocalizações diferentes que eles fazem para se comunicar, o grupo utiliza uma bem alta para marcar território. Sinal de que há outro grupo tentando se aproximar. A orquestra é composta por sete indivíduos contra outros quatro que tentam se achegar, mas são inibidos pela cantoria brava dos demais.

      Ainda ameaçados

      Quando os bichos se aproximam muito, a recomendação é que as pessoas se afastem para comunicar a eles que não querem proximidade. A observação dos animais exige comprovante de febre amarela e, durante o passeio, o uso de máscara. Tudo para a proteção do mico-leão-dourado. Em 2017, essa doença dizimou um terço da população na reserva de Poço das Antas, que era estimada em 3.700 indivíduos. Hoje são 2.500, com base no censo feito pela associação em 2021.

        Nada comparável ao cenário tenebroso de 1977, quando o biólogo Adelmar Coimbra-Filho estimou a presença de apenas 100 a 200 micos no território fluminense. A espécie resiste às custas de muito esforço de conservação, mas ainda está ameaçada.

        — O mico-leão-dourado é símbolo do Brasil, não existe em outro lugar do mundo. Para destruir a floresta é rápido, mas reconstruir leva tempo e muito esforço — pondera Luis Paulo.

        O passeio atrai visitantes de toda parte. Duas amigas do Arizona, nos Estados Unidos, acompanhavam o passeio na quinta-feira com um guia bilíngue. O ecoturismo, um dos pilares do parque, pode fazer com que as pessoas se envolvam na sua proteção. O pequeno Pedro, que convenceu a família a vir de São Paulo para visitar a Trilha do Mico, já pensa em ser biólogo quando crescer. A propósito: 2 de agosto é dia do mico-leão-dourado. Fica a dica.