O artista plástico em plena atividade - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Aos 70 anos, artista baiano Renato Matos fala de sua trajetória em Brasília
Em entrevista ao 'Correio', o artista Renato Matos relembra apaixonamento por Brasília, grandes parcerias e episódios marcantes da carreira
Em meio a batuques, cores e orixás de Salvador, nascia, em 4 de março de 1952, Renato Matos dos Santos. Era para ser uma vida bem baiana para um jovem artista plástico em começo de carreira, quando foi convidado para fazer uma exposição, no início dos anos 1970, na capital do país. "A cidade futurista, e sua arquitetura moderna, remeteu-me a desenhos de Flash Gordon, ou algo como a Bauhaus", destaca Renato, que hoje comemora 70 anos de vida. Ao Correio, o autor do clássico candango Um telefone é muito pouco conta da carreira, das influências e afirma o amor pela arte. "É essa diversidade artística que me sustenta e me faz permanecer vivo e ativo. Cada dia, uma descoberta". Evoé, Renato!
ENTREVISTA / RENATO MATOS
Como era a Brasília que você colocou os olhos pela primeira vez, vindo da Bahia, nos anos 1970?
Eu tinha 22 anos quando desembarquei na Rodoviária do Plano Piloto para fazer uma exposição na cidade. Começava minha carreira de artista plástico e a cidade futurista, e sua arquitetura moderna, remeteu-me a desenhos de Flash Gordon, ou algo como a Bauhaus. Fiquei apaixonado por tudo. Adaptei-me à comunidade artística da cidade, conhecendo figuras como o ator Guilherme Reis, o diretor Hugo Rodas. Minha vida era teatro e música, além da pintura e do entalhe em madeira.
Você é um baiano que misturou suas raízes com o cerrado e criou uma textura nova na música da capital? Esse caldo sonoro começou no Concerto Cabeças?
Foi exatamente no Concerto Cabeças, organizado pelo ator Neio Lúcio que consegui mostrar minha música para um público maior e, também, apresentar meus trabalhos a óleo sobre terra na Galeria Cabeças.
Todo mundo conhece Um telefone é muito pouco, que virou sucesso nacional na voz de Leo Jaime. Como você reage quando alguém pede para você cantá-la? Te incomoda ser visto como artista de uma música só?
Não, porque tenho mais de 300 composições — algumas praticamente inéditas — e disco lançados com boas parcerias, como na música A taba, que fiz com Carlos Cor das Águas, de Salvador, e que foi o primeiro sucesso de Ricardo Chaves no carnaval da Bahia.
"Ah, essa solidão celular. Ter todos ao alcance e não ter com quem falar", versos do seu parceiro TT Catalão que você musicou e se transformou num clássico pós-moderno, pós-tudo. Você é um Tom Zé candango, cuja poética transcende o modismo. Como conviver num país em que a arte é de plástico, de consumo rápido como aqueles cigarros de pen-drive?
Tom Zé, assim como outros grandes influenciadores da cultura brasileira, como Oswald e Mário de Andrade, da Semana de 22, veio do movimento tropicalista, que fez minha cabeça. Meu contato com o mestre suíço Walter Smetak na Bahia e outros músicos também formaram meu universo sonoro.
Você teve muitas chances de ir para a Cidade Maravilhosa, assinar com uma gravadora internacional, ganhar dinheiro e se vender por alguma fama, mas não quis, por quê?
O que é bom, perdura. E quem perde são os "consumidores do imediato", sem o mínimo de autocrítica. Assim também é a falta de bom gosto e de consciência política do país, mas isso fica melhor com o tempo. Talvez pela rebeldia, não me arrependi de nada. Ainda estou vivo, graças à minha criatividade, que me salva todos os dias.
Que lembranças você tem de Renato Russo, de Cássia Eller de seus amigos do Liga Tripa?
As lembranças são as mais positivas com Cássia, gostava do dia a dia com Renato e dos encontros musicais que tínhamos na salinha que usava no Brasília Rádio Center. Quanto ao Liga Tripa, estamos sempre juntos na varanda do Leão da Serra (centro gastronômico e cultural no Taquari). Ultimamente, temos feito uma roda de composição na varanda do lugar, com Sérgio Duboc, Vicente Sá e Fabrizio Morelo... Brevemente, gravaremos algo.
Hoje você tem uma parceria sólida com o poeta Vicente Sá. Com quem mais você queria fazer uma música?
Um bom parceiro é sempre bem-vindo. Recentemente, me encontrei com o poeta Nicolas Behr, comentamos sobre a Rodofernália, uma canção de nossa parceria, combinamos de fazer mais. E você, Zé, quem sabe, poderemos fazer umas músicas juntos...
Antes, a rapper Flora Matos era filha do famoso Renato Matos, hoje é o contrário. Como você vê o crescimento musical de Flora?
Engraçado, mano. Quanto ao crescimento musical e o prestígio de Flora, eu me sinto orgulhoso pelo seu progresso. Às vezes, penso que ela faz parte da continuidade do espírito musical da família.
Em 1989, você gravou o compacto Grande Circular. Em seguida, formou a banda Acarajazz, com músicos da cidade, também lançou o LP Plug, que teve boa repercussão... Era uma época de grande efervescência cultural, teatros lotados, bandas e cantores surgindo. Hoje, temos espaços fechados, uma cena cultural tomada por uma cultura rasteira e sem graça. O que, na sua opinião, pode ser feito para reverter essa situação?
Acho que não reverterá tão cedo e nem o novo normal será tão fácil de adaptação. O velho normal não retornará. Tudo será diferente e será preciso treinamentos na humanidade inteira. Até as formas de consumo, de ouvir e de dançar... De ir a shows também. Estamos vivendo os últimos dias do que se dizia ser normal.
Poucos conhecem a sua grandeza como artista plástico, que fez exposições na cidade. Você é também construtor de instrumentos... Como, ao 70 anos, conciliar tantas atividades?
É essa diversidade que me sustenta e me faz permanecer vivo e ativo. Cada dia, uma descoberta. Quanto à criação de instrumentos, não sou luthier, eu crio esculturas sonoras, descubro sonoridades das superfícies dos objetos, coisa que aprendi com Smetak e Hermeto Pascoal.
https://www.youtube.com/watch?v=gYUiYhdltl4&t=6s
Zirig dum Brasília - Art and Dream of Renato Matos do cineasta André Luiz de Oliveira